A relação entre arte e cristianismo na nova obra de Bill Viola
Um homem sepultado por uma coluna de terra. Uma mulher pendurada por uma corda e submetida às chicotadas de um terrível vendaval. Um homem envolvido em chamas (sem, todavia, se queimar). Um jovem pendurado pelos pés e submerso numa cascata de água. São os "Martyrs", os mártires da mais recente videoinstalação de Bill Viola e Kira Perov, a sua mulher.
O trabalho do artista norte-americano reflete desde há muito sobre temas e iconografia do sagrado. A novidade, desta vez, é que a obra constitui um painel para a catedral anglicana de S. Paulo, em Londres, onde foi inaugurada a 21 de maio. Em 2015 acrescentar-se-á "Mary", dedicada à Virgem.
O trabalho do artista norte-americano reflete desde há muito sobre temas e iconografia do sagrado. A novidade, desta vez, é que a obra constitui um painel para a catedral anglicana de S. Paulo, em Londres, onde foi inaugurada a 21 de maio. Em 2015 acrescentar-se-á "Mary", dedicada à Virgem.
Ainda que não se trate de uma pintura, a estrutura em aço com quatro ecrãs evoca um políptico medieval. Mas, sobretudo, "Martyrs" e "Mary" são obras pensadas para um espaço de culto. Ambas foram encomendadas pela catedral londrina há 11 anos, prova de que operações deste género são difíceis em qualquer latitude.
Em "Mártires", o suplício ocorre por meio dos quatro elementos. De início, os indivíduos estão numa situação de repouso. Gradualmente, com a lentidão típica do trabalho de Viola, cada elemento começa a agitar a sua imobilidade. Mas se a fúria dos elementos continua em crescendo até atingir o ápice da violência, não altera a sua tranquilidade. É então que tudo se aplaca, para recomeçar.
Em "Mártires", o suplício ocorre por meio dos quatro elementos. De início, os indivíduos estão numa situação de repouso. Gradualmente, com a lentidão típica do trabalho de Viola, cada elemento começa a agitar a sua imobilidade. Mas se a fúria dos elementos continua em crescendo até atingir o ápice da violência, não altera a sua tranquilidade. É então que tudo se aplaca, para recomeçar.
«Os elementos representam a hora mais escura da passagem dos mártires através da morte para a luz», explicou Viola sobre os seus quatro vídeos que decorrem em simultâneo ao longo de sete minutos, recordando que o significado da palavra «mártir», de origem grega, significa «testemunha».
«No mundo atual, os médias tornam-nos todos testemunhas do sofrimento de outros. As vidas passadas dos mártires podem ajudar a iluminar as nossas vidas modernas de inação. Elas também exemplificam a capacidade humana de suportar dor, e até a morte, para permanecerem fiéis a valores, credos e princípios. Esta obra representa a ideia de ação, fortaleza, perseverança, resistência e sacrifício.»
Tanto "Mártires" como "Maria" «simbolizam alguns dos mistérios profundos da existência humana. Um diz respeito ao nascimento e o outro à morte; um a consolação e a criação, o outro o sofrimento e o sacrifício», assinalou o autor, para quem os vídeos «funcionarão seja como objetos estéticos de arte contemporânea, seja como objetos práticos de contemplação e devoção tradicional».
«No mundo atual, os médias tornam-nos todos testemunhas do sofrimento de outros. As vidas passadas dos mártires podem ajudar a iluminar as nossas vidas modernas de inação. Elas também exemplificam a capacidade humana de suportar dor, e até a morte, para permanecerem fiéis a valores, credos e princípios. Esta obra representa a ideia de ação, fortaleza, perseverança, resistência e sacrifício.»
Tanto "Mártires" como "Maria" «simbolizam alguns dos mistérios profundos da existência humana. Um diz respeito ao nascimento e o outro à morte; um a consolação e a criação, o outro o sofrimento e o sacrifício», assinalou o autor, para quem os vídeos «funcionarão seja como objetos estéticos de arte contemporânea, seja como objetos práticos de contemplação e devoção tradicional».
Há alguns anos, o cónego Martin Warner, tesoureiro da catedral de S. Paulo, ao falar do projeto realçava que arte «captura a imaginação das pessoas de uma maneira que talvez o discurso narrativo não consiga fazer».
Os cinco milhões de visitantes da Tate Modern, galeria que se localiza diante da catedral, na margem oposta do rio Tamisa, constituem uma «indicação do fascínio» exercido pela «expressão daquilo que é intangível mas real», e que é algo «de muito próximo àquilo que diz respeito à fé cristã», afirmou.
A instalação "Mártires" foi oferecida à Tate Modern, e o mesmo acontecerá com "Maria"; ambas vão ser cedidas à catedral de S. Paulo no âmbito de um empréstimo de longo prazo.
Não é a primeira vez que vídeos de Viola entram em igrejas, como aconteceu com "The Messenger", na catedral de Durham (1996), "The ascension", na catedral de Milão (2004), "Tempest", também na catedral de S. Paulo (2008), e, por estes dias, "The passions", na catedral de Berna.
O artista consegue transformar o martírio «de uma violenta carnificina em algo de estranhamento imóvel, silencioso e estimulante, e assim chega ao cerne do que significa o martírio, escreveu Jonathan Jones no seu blogue do jornal "Guardian".
Bill Viola é um dos mais importantes artistas do nosso tempo porque tem a coragem de comprometer-se nestas grandes questões, e a clareza de o fazer num modo universalmente convincente. Os ateus não construíram ainda espaços especais para este tipo de arte profunda», assinala o crítico.
Por seu lado, Mark Hudson, do jornal "Telegraph", considera que a instalação é «demasiado esterilizada»: «Esperaríamos uma certa gravitas numa obra apresentada numa igreja. Ainda que o fundo escuro faça referência ao claro-escuro das pinturas barrocas, a iluminação recorda um anúncio de automóveis».
«Sinto-me relutante em deitar água fria num projeto que tenta renovar a tradição das igrejas como lugares de maravilhamento artístico. A peça não me convence, mas espero estar em minoria», apontou.
No site da BBC, Alastair Sooke recorda alguns casos em que artistas contemporâneos recorreram ao imaginário cristão para criar obras que chocaram a sensibilidade crente, e pergunta se «a arte moderna odeia a religião».
Mas há também, realça, temas que estão a ser recuperados de maneira atenta: «Estamos todos à procura de uma linguagem vibrante e universal com a qual explorar as perguntas espirituais. Para muitos, o vocabulário religioso acabou, pelo que precisamos de encontrar formas comuns de começar o diálogo. A arte é uma delas».
«Por isso, não é para se ficar surpreendido se, quando se encontram, artistas e pessoas de fé descobrem que partilham interesses e preocupações. Os artistas contemporâneos têm um contributo enorme a oferecer à Igreja, e vice-versa», salienta.
Os cinco milhões de visitantes da Tate Modern, galeria que se localiza diante da catedral, na margem oposta do rio Tamisa, constituem uma «indicação do fascínio» exercido pela «expressão daquilo que é intangível mas real», e que é algo «de muito próximo àquilo que diz respeito à fé cristã», afirmou.
A instalação "Mártires" foi oferecida à Tate Modern, e o mesmo acontecerá com "Maria"; ambas vão ser cedidas à catedral de S. Paulo no âmbito de um empréstimo de longo prazo.
Não é a primeira vez que vídeos de Viola entram em igrejas, como aconteceu com "The Messenger", na catedral de Durham (1996), "The ascension", na catedral de Milão (2004), "Tempest", também na catedral de S. Paulo (2008), e, por estes dias, "The passions", na catedral de Berna.
O artista consegue transformar o martírio «de uma violenta carnificina em algo de estranhamento imóvel, silencioso e estimulante, e assim chega ao cerne do que significa o martírio, escreveu Jonathan Jones no seu blogue do jornal "Guardian".
Bill Viola é um dos mais importantes artistas do nosso tempo porque tem a coragem de comprometer-se nestas grandes questões, e a clareza de o fazer num modo universalmente convincente. Os ateus não construíram ainda espaços especais para este tipo de arte profunda», assinala o crítico.
Por seu lado, Mark Hudson, do jornal "Telegraph", considera que a instalação é «demasiado esterilizada»: «Esperaríamos uma certa gravitas numa obra apresentada numa igreja. Ainda que o fundo escuro faça referência ao claro-escuro das pinturas barrocas, a iluminação recorda um anúncio de automóveis».
«Sinto-me relutante em deitar água fria num projeto que tenta renovar a tradição das igrejas como lugares de maravilhamento artístico. A peça não me convence, mas espero estar em minoria», apontou.
No site da BBC, Alastair Sooke recorda alguns casos em que artistas contemporâneos recorreram ao imaginário cristão para criar obras que chocaram a sensibilidade crente, e pergunta se «a arte moderna odeia a religião».
Mas há também, realça, temas que estão a ser recuperados de maneira atenta: «Estamos todos à procura de uma linguagem vibrante e universal com a qual explorar as perguntas espirituais. Para muitos, o vocabulário religioso acabou, pelo que precisamos de encontrar formas comuns de começar o diálogo. A arte é uma delas».
«Por isso, não é para se ficar surpreendido se, quando se encontram, artistas e pessoas de fé descobrem que partilham interesses e preocupações. Os artistas contemporâneos têm um contributo enorme a oferecer à Igreja, e vice-versa», salienta.
Texto publicado originalmente no Site http://www.snpcultura.org/